quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Igreja deve "intrometer-se" em assuntos científicos?

Fonte: Canção Nova

Padre Mário Marcelo Coelho, scj


Arquivo pessoal/twitter
Padre Mário Marcelo é doutor em Teologia Moral
Estamos vivendo um momento intenso de reflexão sobre temas referentes à vida humana. Os avanços científicos, sobretudo na Engenharia Genética suscitaram debates éticos. Os vários setores do poder público, judiciário, religioso, científico e privado estão mobilizados neste debate.

Dentro desse cenário de enorme avanço científico no campo da genética, as questões que confrontam o cientificamente possível e o eticamente admissível serão cada vez mais frequentes.

A vida humana está em pauta. Quando começa? O que a caracteriza? Como deve ser respeitada em sua dignidade? O que é interessante é que estes temas estão sendo comentados em casas, nas escolas, Igrejas, na rua, entre amigos, etc.

O debate público é de enorme relevância, pois a Igreja mesma entende a necessidade do esclarecimento sobre o respeito à dignidade da pessoa. A competência da comunidade de decidir sobre os rumos da engenharia genética não deve ficar só nas mãos dos cientistas e dos políticos. A humanidade inteira deve ter suas instâncias de participação.

Um dos setores mais envolvido neste debate e que mais recebe críticas é a Igreja Católica. A Igreja é criticada por pessoas e setores da comunidade alegando dogmatismo, imposição, arbitrariedade, desrespeito pela liberdade, intenção de dominar o estado, etc. Muitos afirmam que o estado é laico e por isto a Igreja não deve se “intrometer”.

Interessante, quando no Brasil havia perseguição política a presos e exilados políticos e que a Igreja se manifestava, lutava até à perseguição, muitos religiosos perderam a vida, não se ouviam gritos de que o estado é laico. Hoje, neste debate em torno da bioética, da defesa da vida, muitos, motivados por seus interesses políticos, econômicos, de poder, fama, científicos, etc. lutam por deixar a Igreja fora deste debate.

A Igreja não deve julgar à priori os possíveis desdobramentos destes avanços, mas manter um diálogo constante com o mundo científico para se inteirar das possibilidades, perigos e limites dessa nova etapa que se descortina na história da humanidade. Portanto, “é preciso que haja uma espécie de vigilância ética no âmbito técnico-científico, com o intuito de inibir qualquer experimento que ameace ou viole a dignidade humana”.

Isso não significa, porém, impedir o avanço científico em áreas que trarão claros benefícios à humanidade. A Igreja deve estar atenta à necessidade de defender a vida em geral e também a vida individualizada, de cada ser humano, portador de características genéticas próprias; a lutar contra toda e qualquer linha de pesquisa que fere diretamente a vida. Consciente de sua missão, a Igreja deve zelar pela vida em qualquer estágio ou situação, missão esta recebida do próprio Cristo.

Cabe também à Igreja zelar para que os benefícios decorrentes das pesquisas científicas não fiquem restritos a uma ínfima parcela de privilegiados, mas estejam ao alcance de toda a humanidade. Em abril de 2003, o Cardeal Biffi, Arcebispo de Bologna, fez um sermão no qual, incidentemente, tratou da “Parresia”. Esse termo aparece nos Atos dos Apóstolos como sinônimo de franqueza evangélica.

“Vendo a convicção (franqueza) de Pedro e de João” (At 4,13). Franqueza traduz o significado do termo grego “parresia”, termo que quer dizer “liberdade de palavra” e “capacidade de exprimir-se sem medos”. Conforme os escritos apostólicos, “parresia” é a coragem de anunciar o Senhor Jesus e sua mensagem de luz, mesmo diante de quem é hostil, prevenido, por vezes até prepotente e opressivo. Não é a temeridade de perturbar os irmãos na Fé, propondo opiniões mundanas e compromissos fáceis. É desafiar os dominadores deste século (os donos do poder, da riqueza, da informação) confiando-se apenas na força do Evangelho”(...).”Essa franqueza apostólica é um dom precioso do Espírito Santo (...)”.

A atitude da Igreja é, e deve ser sempre, de denunciar com coragem, franqueza (parresia) toda ameaça à vida. É responsabilidade da Igreja anunciar e denunciar todo tipo de agressão à vida. Tudo o que fere a vida em sua dignidade deve ser excluído do nosso meio. A Igreja, a exemplo do Bom Pastor, se torna responsável de cuidar, proteger, curar, apascentar o povo e, de forma particular e exigente, os fracos, indefesos e sem cuidados.

“Em bons pastos as apascentarei, e nos altos montes de Israel será o seu curral; deitar-se-ão ali num bom curral, e pastarão em pastos gordos nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas, e eu as farei repousar, diz o Senhor Deus. A perdida buscarei, e a desgarrada tornarei a trazer; a quebrada ligarei, e a enferma fortalecerei; e a gorda e a forte vigiarei. Apascentá-las-ei com justiça” (Ez 34,14-16).

Numa atitude de fidelidade, a Igreja tem o compromisso vindo do próprio Cristo de defender toda a criação e, de modo especial, a vida humana. A missão da Igreja se torna mais urgente e necessária para com os mais pobres e indefesos, aqueles que na sua vulnerabilidade ou inocência são continuamente ameaçados em seu direito de viver.

A Igreja conhecedora do projeto Divino e consciente de sua missão assume o compromisso de defender a vida que é ferida, agredida por uma sociedade que a ameaça. Diante de Deus e da humanidade, a Igreja, mesmo sendo ridicularizada por muitos setores da sociedade, não pode se omitir, ela tem que ter uma atitude profética, ainda que seja no deserto, de defender, promover e respeitar a vida desde a concepção até o momento de sua passagem definitiva.


Padre Mário Marcelo é mestre em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras – MG (UFLA-MG). Licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque, SC (FEBE). Bacharel em Teologia pela Faculdade Dehoniana, Taubaté, SP. Mestre em Teologia Prática (núcleo Moral), pelo Centro Universitário Assunção, São Paulo, SP. Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana, Roma/Itália. Autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral. Professor da Faculdade Dehoniana, Taubaté, SP e do Instituto de Teologia Bento XVI, Cachoeira Paulista, SP.

Toda terça-feira, você acompanha no noticias.cancaonova.com artigos que colunistas que escrevem sobre defesa da vida, liturgia, frases marcantes do Papa Francisco e Teologia Moral

Nenhum comentário:

Postar um comentário